Sobre a Imunidade do ITBI: Integralizando um Imóvel ao Capital Social


É bastante comum ouvirmos histórias de pessoas que começaram suas vidas sem grandes recursos e, ao custo de muito trabalho árduo, conseguiram reunir um patrimônio para conceder uma boa qualidade de vida a sua família. Exatamente por isso é que o planejamento patrimonial e as empresas familiares são assuntos recorrentes no dia a dia da sociedade.
A constituição de uma empresa familiar vem do intuito de desenvolver um plano patrimonial para que conferir maior segurança, a chamada blindagem dos bens, assim como para tornar mais fácil os procedimentos sucessórios pelo falecimento. Após a constituição os negócios passam a ser realizados pela empresa, que terá a participação social dos interessados e será gerida por um ou mais administradores. Uma prática muito comum é a integralização do capital com imóveis, entretanto, existem dúvidas a respeito da incidência do imposto de transmissão nessas operações. Seriam consideradas transferências de propriedade tributável?
A integralização do capital social com bens dos sócios faz com que esses bens saiam da esfera patrimonial do sócio e seja transferido para a sociedade, sendo essa a nova proprietária que poderá usar, gozar e dispor dos bens e, ao antigo proprietário, caberá o recebimento de cotas ou ações em contrapartida.
A Constituição Federal confere aos municípios a competência para instituir impostos sobre a transmissão onerosa, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis entre vivos, excetuando-se a concessão de garantias. Por sua vez, o inciso I do §2º do art. 156 da Constituição prevê regras de imunidade, dispondo que “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
O que se verifica da leitura da letra legal é que há uma clara distinção entre a realização de capital em pessoa jurídica, forma incondicionada para isenção do ITBI, dos atos de transformação das empresas (exceto a dissolução) que, apenas em caso de terem como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, serão submetidas a essa tributação. Ou seja, significa dizer que a integralização do capital subscrito pelos sócios através de imóveis que lhes pertencem foi concedida incondicionadamente como isenta de ITBI.
Com as devidas desculpas pelo atrevimento, mas o texto constitucional deixou a questão dúbia, favorecendo, portanto, que os municípios justifiquem a cobrança recorrendo à fragilidade da interpretação. E eles não estão sozinhos, há grande jurisprudência em todos os tribunais corroborando esse entendimento e compreendendo a legalidade da cobrança do ITBI nas integralizações de capital social, exatamente pela subjetividade de interpretações que o trecho permite.
É importante destacar que a integralização do capital social com bens imóveis não pode se confundir com nenhuma das modalidades aqui chamadas de condicionadas, como a incorporação, que significa que uma ou mais sociedades absorvidas por outra, a fusão, que importa na reunião de sociedades para formação de uma nova, a cisão, pela qual uma sociedade transfere parcelas de seu patrimônio para mais outras sociedades, ou a extinção, que ocorre pela liquidação, fusão, incorporação e da cisão. Não se pode confundir as citadas operações societárias com a integralização de imóveis ao capital social subscrito pelos sócios. Assim, nessas opções, caso exista a atividade preponderante, conforme dispõe a lei, não caberá a imunidade tributária.
O que se verifica é que “atividade preponderante” pode ser considerada quando representar mais de cinquenta por cento da receita do adquirente, analisando-se os dois anos anteriores e os dois anos seguintes à aquisição proveniente dos formatos anteriormente descritos (incorporação, fusão, cisão e extinção). Independentemente dessa análise, o que se vê é que os Tribunais predominantemente estão decidindo pela aplicação da “atividade preponderante” ainda que seja apenas em caso de integralização do capital social.
Isso por que o Código Tributário Nacional contém previsão no mesmo sentido, de que a incorporação de patrimônio em pessoa jurídica pelo pagamento de capital nela subscrito somente terá imunidade em caso de não preponderância da atividade de venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
Esse entendimento propicia que os municípios considerem a receita operacional de empresas, inclusive familiares, proprietárias de quotas ou ações em outras sociedades, estas percebendo receitas de atividades imobiliárias, fossem tributadas por atividade preponderante. O entendimento é equivocado, pois as holdings citadas tiveram seu capital social integralizado por imóveis dos quotistas e possuem como objeto social a participação em outras sociedades, sendo essas terceiras sociedades as responsáveis pela atividade imobiliária, não se estendendo, portanto, essa preponderância às holdings patrimoniais.
O objeto social das empresas familiares mencionadas nesse artigo, geralmente, não possui o termo “compra e venda, locação e arrendamento mercantil”, de forma que o fisco deve observar a imunidade do ITBI nas operações de integralização do capital social de forma a respeitar os princípios do sistema tributário e de viabilizar a utilização desse veículo societário para o planejamento patrimonial.

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