Me Aposenta, Doutora!
Primeiramente, gostaria de agradecer todas as mensagens que eu
recebi dos leitores deste blog e do site JusBrasil. Vocês foram incentivadores,
me senti encorajada a continuar escrevendo, obrigada!
Como terminei o último artigo falando sobre a difícil tarefa que é explicar para o cliente a sutil diferença entre aposentadoria e benefício assistencial, hoje trataremos deste assunto. A ótica que será apresentada é a mesma do texto anterior, com descontração e uma avaliação a partir da minha vida prática no direito previdenciário.
Então vamos lá!
Depois de abrir o meu coração às inúmeras possibilidades que a
prática do direito previdenciário poderia me trazer, eu fui fazer aquilo que
deveria ter feito desde 2000 e bolinha quando estava na faculdade – ESTUDAR.
Adquiri alguns livros da área, consegui uma apostila com uma colega que cursava
pós graduação na área, e fui à luta.
Em uma das oportunidades que a vida nos apresenta, eu estava fazendo
um acordo no meu escritório com a parte contrária de um processo que eu atuava
representando o autor da ação – execução de título extrajudicial – e a parte
viu um livro de direito previdenciário na minha mesa (truque) e me perguntou se
eu atuava na área, depois que eu disse que sim, me senti como se estivesse em
uma prova oral para juiz federal.
Algumas horas de conversa depois, acordo feito e assinado, ele me
convidou para dar AULA na escola de curso preparatório para concurso na qual
ele era professor e sócio, aqui na minha cidade. Na ocasião a vaga estava livre
porque a professora (assessora de juiz e ex servidora do INSS) viajaria e não
poderia assumir aquelas turma do curso preparatório do concurso para o INSS.
Minha barriga gelou, né? Muita responsabilidade para mim, eu pensei,
mas, com uma boa dose de coragem (desespero), encarei o desafio. E que desafio!
Depois disso eu aprendi a valorizar os professores, principalmente os de
direito, não é fácil se preparar para dar aula, hoje eu sei. Desculpa pelos
cochilos, queridos professores. Rs
Apesar das dificuldades enfrentadas, outra porta se abriu para mim
logo em seguida, outra escola de curso preparatório também me convidou para
assumir a “cadeira” de direito previdenciário no curso preparatório para o
concurso do INSS. Neste último estou até hoje. A cada turma me supero e me
deparo com outros desafios, mas, estou adorando e aprendendo muito com esta
nova jornada.
Desde então, sempre me deparo com a fatídica frase: “Me aposenta,
doutora”.
Quando ouço este pedido, sempre vindo de alguém com uma vida inteira
de trabalho e muito cansaço acumulado, tenho a certeza de que aquela pessoa não
está falando de aposentadoria, mas sim de benefício assistencial ao idoso e ao
deficiente.
Para fazer com que uma pessoa simples entenda a diferença entre
aposentadoria e benefício assistencial tem que ter paciência, muita! E um jeito
bem simples, mesmo que a coisa não seja tão simples, de ensinar.
Para os operadores do direito a compreensão é fácil, afinal, um tem
a causa de pedir com base no fator idade e tempo de contribuição, já o segundo,
idade ou deficiência somada à baixa renda, sem necessidade de contribuição à
previdência, e aqui é que mora a dúvida e a salvação de algumas pessoas.
Quando dou aula e explico com muita ênfase que não há aposentadoria
sem contribuição previdenciária os alunos viram feras. Sim, porque alunos
sempre têm a sensação de que sabe mais do que o professor, ou pelo menos, mais
que aquele ali que está falando sobre aposentadoria.
Sempre tem um, dois ou três que diz: “Desculpa, professora, eu
conheço um amigo, um tio, um vizinho e etc que se aposentou sem NUNCA ter
pagado uma contribuição se quer.” Alguns falam isso com um ar meio raivoso,
tipo, essa professora não sabe o que diz, outros, com um ar de façanha, tipo,
meu parente/amigo é o cara, ludibriou o INSS. É nesse segundo tipo de fala que
minha fé no ser humano diminui, infelizmente.
E, desculpa caros colegas, muitas vezes nós advogados temos nossa
parcela de culpa nessa sensação do cidadão de que PODE se dar bem. Isso porque
fizeram da frase: “Deixa que eu te aposento”, uma terminologia que já viralizou
entre muitos advogados por aí, como se isso fosse um ato de mágica do advogado
e não um direito que deve ser adquirido.
Os cidadãos de pouco conhecimento acham que é isso mesmo: meu
advogado me aposentou, e pronto, vira esta confusão! Os operadores do direito
sabem que, na verdade, não se trata de aposentadoria, mas sim do popular
“LOAS”, mas, como o cliente quer aposentar, para que discutir, né? “Deixa que
eu te aposento”.
Esta não é uma postura que, no meu ponto de vista, está de acordo
com o código de ética do advogado. Afinal, o cliente não compreende a lei,
alguns se quer sabem ler, portanto, podemos dizer que não tem conhecimento da
lei mesmo, só sabe que tem gente que aposenta e ele também quer.
A verdade é que existe mesmo aqueles clientes que têm suas
limitações e não conseguem compreender, mesmo que a explicação seja bem feita.
Continua pensando que o advogado, muito bom, o aposentou mesmo que ele nunca
tenha contribuído para a previdência durante toda a sua vida.
Eu prezo por deixar clara a diferença entre os benefícios. Quando o
cliente entende é muito bom, algumas vezes depois de muita conversa, é possível
descobrir que na verdade o cliente em questão tem direito a outro benefício,
por exemplo, auxílio doença ou, até mesmo, aposentadoria por invalidez.
Outras vezes, o cliente passa a contribuir para a previdência como
contribuinte individual ou mesmo como facultativo. Assim, ele tem a chance, a
partir da orientação jurídica bem prestada de a partir daquele momento traçar
um planejamento de vida a fim de, no tempo certo, preencher o requisito mínimo
de tempo de contribuição e aí então, adquirir o direito de se aposentar.
Quando não é o caso de nenhuma dessas situações anteriores, o
próximo passo é analisar se o cliente faz jus ao benefício assistencial, e
muitos não têm os requisitos previstos em lei ou na jurisprudência, mas, querem
forçar uma situação para que, inclusive, convencer o advogado a ingressar com a
ação, muitos vêm até com aquela proposta, aparentemente, irrecusável: "não
tem problema Dra, eu te pago 50% de honorários se a senhora aceitar pegar meu
caso".
Aí é que a gente começa a perceber que a ideia de corrupção vem de
berço e está enraizada na cultura brasileira com aquele típico “jeitinho”.
O cliente tem jeito para tudo: Se ainda não tem 65 anos de idade
e/ou não é incapaz para o trabalho, rapidamente ele se lembra de um amigo que
foi em um médico - gente boa - e conseguiu um laudo confirmando a incapacidade.
Quando percebo a má fé do sujeito tento colocar um pouco de medo
dizendo que o assistente social vai fazer uma visita sem data marcada para
verificar as condições da casa que vive, das pessoas que residem na casa e
outras avaliações. Mas, nem sempre cola!
Teve uma vez que um cliente disse que não tinha problema, nas
palavras dele: “Doutora, tenho até uns móveis meio novos, vou trocar com a
minha mãe até a assistente passar lá em casa”.
Sério, tem gente fazendo de tudo para ter um salário mínimo todo
mês, menos o mais provável, trabalhar.
O pior desta situação é saber que tem colegas de profissão que
depois de cinco anos de estudo, de dedicação, aceita entrar nessa onda
miserável. Tudo bem que manter as contas de um escritório em dia, as contas da
vida pessoal e todo mais que o capitalismo impõe no dia a dia não é fácil, mas,
fazer todo esse teatro, fala sério, miserável demais!
Tem como piorar, sempre tem, né? Quando o cliente é orientado por um
contador que diz que ele se aposenta sim, com certeza, só precisa ir em um
advogado BOM! Ai eu me questiono: Bom para quê?
É preciso que o advogado tenha em mente que nem sempre a pessoa que
entra no seu escritório é para ajuizar uma ação, infelizmente, mas é a verdade
da prática. Muitas vezes é para orientação jurídica, outras vezes é para
orientação amorosa, psicológica e até espiritual, ou, só para encher o saco
mesmo.
O que não vale é inventar um direito para pessoa só na intenção de
ingressar com uma ação judicial com o fito de receber alguma coisa, de
preferência que seja dinheiro e eu pudesse escolher, dólar, porque real está
desvalorizado demais.
Se está ruim esta coisa de só ficar na orientação jurídica, poxa,
cobra consulta, inclusive, não só podemos fazê-lo, como deveríamos, mas isso
deixo para falar em outro momento. O que não dá mesmo é ao invés do advogado
ser meio de acesso à justiça, torna-se um mestre na matéria corrupção.
Diferente do último texto, este não tem um tom tão esperançoso e
humorado, porque existem dias bons e dias ruins na advocacia. Deparar-me com
colegas que ao invés de usar da nossa profissão como meio de garantir à
dignidade, faz do seu conhecimento jurídico meio de aumentar a corrupção neste
país, que já nasceu sabendo corromper, me entristece profundamente.
Aos jovens advogados que me enviaram mensagens dizendo que se
sentiram animados e inspirados para continuar na prática previdenciária por meio
do meu primeiro texto, dou aqui o meu alô assim:
Use seu conhecimento para
honrar o nosso código de ética, para honrar aqueles que, verdadeiramente,
precisam do nosso conhecimento para ter acesso aos seus direitos mitigados dia
após dia, mas, não disseminem mais ainda esta cultura corruptora do “jeitinho
brasileiro”.
Ainda acredito naquela fala de Gandhi: “Seja você a mudança que quer
ver no mundo”.
No caso dos advogados, o impacto pode ser maior, capaz de fazer a
diferença e na atual circunstância, a nossa sociedade agradece esta mudança!
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Diário Previdenciário
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