Uma quinta-feira de uma advogada criminalista

Fonte: cena do filme "O Diabo Veste Prada"

Já às 8h estava pronta para sair de casa. Como sabia que teria que ir ao CDP (Centro de Detenção Provisória), escolhi uma roupa mais simples possível. Calça preta, camisa branca, blazer com listras e um scarpin. Sem jóias, sem penduricalhos, sem nada demais.


Primeiramente, usar roupas sociais é aconselhável, especialmente para impor uma figura de autoridade ao preso, o que pode ser um problema quando você é uma mulher ou um advogado muito jovem (no meu caso, as duas coisas!).

Além disso, se você se encher de penduricalhos, terá que deixá-los todos no guarda-volumes do CDP, pois não passam na porta de detector de metais. E "se apitar, não entra".

Quando digo que se apitar não entra, é que não entra mesmo! Então deve-se evitar, inclusive, roupas íntimas que possam conter qualquer sorte de metal (e isso inclui a base de arame de alguns sutiãs, porque, sim, isso pode fazer o detector de metais apitar, e talvez você tenha que passar pelo desconforto de retirar sua roupa íntima para poder entrar no CDP, ou voltar em um outro dia).

Sendo assim, menos é mais, e às 10h eu já estava na porta do CDP de Mogi das Cruzes/SP.

Deixei tudo no carro, inclusive a bolsa. Levei para dentro do prédio apenas uma Procuração Ad Judicia, uma caneta com o símbolo da OAB/SP, minha carteira da Ordem, e meus óculos escuros, que puxei pra cima da cabeça e acabei esquecendo de tirar.

Os óculos acabaram ficando no guarda-volumes, como eu já sabia (como disse, esqueci de tirar). A caneta também ficou. E me emprestaram uma nova caneta, transparente, e sem tampa. "É por segurança", disse-me a agente.

Entrei, mas meu scarpin apitou (depois descobri que ele tem um parafuso de metal no meio do salto). Tirei os sapatos, passei descalça pelo detector de metais, enquanto uma agente revistava meus sapatos de cabo a rabo. Então ela me devolveu os sapatos, informando que possuíam esse parafuso no meio do salto e por isso apitavam. Calcei os sapatos novamente, e entrei.

Depois de passar por várias portas e trancas, cheguei à salinha onde atenderia meu cliente. Por trás de grades, lógico, e se eu sentasse em alguma cadeira do local, não o enxergava, pois ficava abaixo do nível da grade. Fiquei de pé mesmo, tentando enxergar por meio da grade amarela os hematomas que meu cliente apontava como sendo frutos de uma briga de rua.

A Procuração tive que dobrar para passar por um mínimo espaço. A caneta pedi autorização duas vezes aos guardas para entregar ao preso. "Diga a minha mãe que estou com saudades", foi a última coisa que meu cliente me disse antes de eu ir embora.

Devolvida a Procuração, a caneta, e terminada nossa reunião, voltei para a entrada do CDP, passando novamente por um detector de metais, e tirando de novo o sapato (maldito parafuso).

Um dos guardas, amigo de um amigo meu, ainda brincou "ainda bem que é quinta-feira, Doutora! Sábado a segurança é maior, não passa nem pensamento".

O tempo que demorei para entrar no CDP, atender meu cliente e sair foi de aproximadamente 2h, e já estava morta de fome quando saí dali.
Pensei em almoçar e depois ir para a Casa do Advogado, onde pretendia ficar trabalhando, pois tinha umas petições para redigir. Mas não demorou muito até que outro cliente me ligasse, antes que eu pudesse sequer escolher onde almoçar. Acidente de trânsito decorrente de embriaguez; a vítima estava hospitalizada, e meu cliente, na Delegacia.
Deixei o restante do trabalho (com prazos vencendo!) e meu almoço de lado e corri para a Delegacia.
Como eu disse no texto " Papo de Advogado: Que Rumo Tomar? ", Direito Penal sempre foi a paixão da minha vida! Desde o segundo ano da faculdade, quando comecei a ter Parte Geral de Direito Penal, até hoje, é minha matéria preferida, tanto na teoria quanto na prática.

Apesar disso, eu não atuo exclusivamente com criminal, e acabei até me voltando mais à área cível, em Gestão de Contratos e Responsabilidade Civil, por ser uma área mais tranquila e também rentável. Quem trabalha com o crime sabe que a prática de um advogado criminalista não é tão simples.

Ontem, entretanto, foi uma dia extremamente "voltado ao crime", digamos assim. E lembrei-me da rotina de um criminalista, que já há algum tempo não tinha. Coincidência ou não, hoje cedo, quando abri o site Jus Brasil, deparei-me com um texto sobre o mesmo tema, postado pelo perfil "Canal Ciências Criminais".

Pois bem, Direito Penal é uma área fantástica, uma matéria muito sedutora e muito pertinente. É muito comum que estudantes de Direito sejam amantes do Direito Penal desde cedo, e desejem atuar nessa seara.

Todavia, mais comum ainda é desistir dessa área ao se deparar com a prática. Um advogada criminal não tem rotina certa, não tem horário fixo de trabalho, nem consegue estabelecer uma agenda muito certa. É quase um plantonista em período integral.

Não importa se o advogado se planejou para passar a quinta-feira escrevendo uma Contestação cível, ou se tinha cliente agendado para aquele dia. Se um cliente ligar da Delegacia, envolvido em um acidente de trânsito recém acontecido, o advogado vai até lá, deixando o resto de seu trabalho, muitas vezes, abarrotado. O que significa que provavelmente passará a madrugada fazendo-o.

Não interessa se o advogado acabou de chegar de viagem, se acabou de sair de uma audiência, se tem prazos vencendo (e, aliás, nessa área é sempre bom não brincar com prazos, justamente por conta da imprevisibilidade da nossa rotina. Nunca deixe os prazos para a última hora), quando o cliente é transferido pro CDP, lá está o advogado para atender o cliente.

Além disso, visitar penitenciárias, CDP, Delegacias, etc é uma prática rotineira, e algo com o qual o advogado criminalista deve se habituar.

Ter algumas malícias também, pois o cliente é sempre inocente. "Isso que o senhor me contou é o que realmente aconteceu? Porque o senhor pode mentir pra polícia, pro juiz, pra sua família, mas conte a verdade para mim. Do contrário, sua defesa fica prejudicada."

Se o advogado atuar em plenário, ser desinibido e possuir boa oratória também é de suma importância, pois os jurados são facilmente levados pelo discurso, seja da defesa, seja da acusação. Nem sempre se apegam aos fatos, às evidências, mas ao discurso das partes. Seja eloquente! Seja confiante! Seja convincente!

De fato, ser um advogado criminalista é mesmo uma aventura! Como eu disse, quase um plantonista em período integral. Nossa rotina é pouco previsível, cheia de incógnitas, e se você realmente se interessa pelo Direito Penal, vai gostar de aplicá-lo aos casos práticos.

Também vai ver muita injustiça, mas creio que isso seja inerente ao ser humano, praticamente, pois injustiça e corrupção vemos em todo lugar, em todas as áreas.

Hoje, sexta-feira, voltei à minha rotina cível (até agora, pelo menos). Petições para redigir, audiência de Guarda e Regulamentação de Visitas, diligência para uma colega em uma comarca próxima. E talvez um happy hour no fim do dia, porque ninguém é de ferro.

Para ser muito sincera, já me decidi algumas vezes por abandonar o Direito Penal, por razões de logística (para quem pretende constituir família, etc, nem sempre é uma prática muito conveniente). Mas sempre que me deparo com ele, acabo mudando de ideia. Temos um relacionamento conturbado, mas repleto de amor. Veremos até quando. Mas, por ora, continuo na ativa.












Compartilhe:

1 comentários

Contribua para o debate! Deixe seu comentário.

Os comentários aqui registrados não refletem o pensamento ou conduta dos membros deste site, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.