A (i) legalidade da suspensão do fornecimento dos serviços públicos essenciais


Serviço público essencial, levando em consideração a razoabilidade do uso, apesar do conceito jurídico, são aqueles necessários para a manutenção da dignidade e subsistência humana. Dessa forma, entre outros, temos o fornecimento de água, gás, luz e telefone como serviços públicos essenciais.
Ainda que a prestação dos serviços seja realizada por intermédio de uma pessoa jurídica diversa do ente estatal, a autorização ocorre através de contratos de concessões e/ou permissões, celebrados entre o ente público e a pessoa jurídica, o que não retira a natureza pública do serviço.
O Judiciário enfrenta diversas questões a respeito de serviços públicos essenciais, sendo a maior parte das discussões baseadas em supostos atos ilícitos cometidos pelas concessionárias de energia, de água e etc.
A interrupção indevida de um serviço público essencial é capaz de gerar danos à personalidade do consumidor, à sua dignidade como ser humano, que ultrapassam os meros aborrecimentos do cotidiano. Nos Tribunais de alguns Estados, como é o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, encontra-se pacificado o entendimento de que a suspensão ou interrupção indevida gera dano moral, através da Súmula 192 do TJ/RJ.
Nesse sentido, em que pese o serviço ser essencial deve ocorrer à remuneração por seu fornecimento.
O consumidor inadimplente pode sofrer a interrupção do serviço essencial, depois de devidamente notificado, em razão da inadimplência atual com o pagamento do serviço.
A questão da atualidade da inadimplência do débito é fundamental para verificarmos a legitimidade de sua interrupção. O débito atual que autoriza a interrupção do serviço é o relativo ao mês de consumo. O procedimento legal a ser adotado pelas empresas consiste no envio de notificação, informando ao consumidor de sua inadimplência, pois dessa forma, no prazo de 30 dias do vencimento da cobrança de consumo, a prestadora do serviço público essencial está legitimada a realizar a interrupção, caso o débito não seja quitado.
A justificativa da legitimidade da interrupção é com base na contraprestação devida pelo serviço. A natureza jurídica do valor cobrado pela concessionária de água e esgoto, por exemplo, é de tarifa ou preço público, ou seja, sua função é remunerar a prestadora de serviço. Sem o recebimento da contraprestação pelo fornecimento, não há condições de sustentar a prestação do serviço.
As decisões judiciais a respeito do tema utilizam a palavra suspender, e caso seja possível notar, em diversas etapas do texto é utilizada a palavra interromper. A interrupção ou suspensão, nesse caso, pode ser utilizada no mesmo sentido, uma vez que seu sentido se trata do período em que o consumidor permanece sem usufruir daquele serviço essencial. 
A interrupção, em meu entender, soa como algo mais grave, mais agressivo, e ela infelizmente pode ser a palavra utilizada para descrever o “corte” de serviços públicos essenciais, como ocorreu em um caso no qual patrocinei a ação judicial. O autor da ação recebeu a notificação e dias depois funcionários da concessionária de água e esgoto de sua localidade literalmente “cortaram” o fornecimento de sua água, pois com uma serra realizaram o corte do cano e levaram consigo o hidrômetro da residência do autor. O autor, idoso, compareceu à sede da concessionária e realizou um parcelamento em quase 30 meses, de débitos referentes a períodos em que nem hidrômetro o autor possuía, existindo inclusive no “bolo” dos débitos, cobranças de anos anteriores a 1990.
No caso que descrevi e atuei o autor por não possuir conhecimento, ficou um ano sem o fornecimento de água, que somente foi restabelecido através do deferimento da antecipação dos efeitos da tutela na ação judicial que ajuizamos.
O tema faz parte da realidade dos consumidores e o que podemos concluir é que de um lado existem consumidores que sofrem diversas ilegalidades referentes à utilização do serviço público, sem possuírem qualquer entendimento acerca “do que pode e do que não pode ser feito pela concessionária”, como em relação à interrupção por débitos antigos e por vezes até prescritos, e consumidores que defendem a impossibilidade de suspensão há qualquer momento, ainda que o débito seja atual, por ser o serviço essencial a sua dignidade.
Atualmente o que se encontra pacificado nos Tribunais é a possibilidade e legalidade de a prestadora de serviços realizar a interrupção caso o débito seja atual, pois sendo o débito pretérito existem outros meios cabíveis de cobrança, não sendo possível o constrangimento da interrupção do serviço para que os débitos antigos sejam quitados pelo consumidor.

A interrupção do serviço público essencial em razão de débitos antigos é ilegal e gera danos morais a serem compensados caso o consumidor acione judicialmente a prestadora do serviço em razão do ato ilícito praticado.

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