A empresa fechou e não pagou, os donos podem ser responsabilizados?

A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica e seus efeitos em diversos ramos do direito.



Os consumidores, bem como as pessoas em geral, denominados juridicamente de pessoas naturais, possuem um cadastro de pessoa física, que podemos verificar na prática através de nosso CPF. As empresas, por sua vez, também estão sujeitas a um cadastro que é realizado após a formalização de um contrato ou estatuto para o nascimento da sociedade, que de forma popular é chamada de empresa, e possui natureza de pessoa jurídica.
A pessoa jurídica “empresa” é composta por um ou mais sócios, que exercem atividade empresária através de um administrador nomeado para a realização dos atos da vida civil em nome da sociedade.

Ainda que existam diversas empresas informais, ou seja, sem a constituição formal, a regra é a formalização da pessoa jurídica através do registro do seu contrato/estatuto de constituição.

O administrador da empresa, que normalmente é sócio da pessoa jurídica, atua em nome da empresa e dentro dos poderes estabelecidos na constituição da pessoa jurídica para praticar os diversos atos da vida civil, como por exemplo, realizar contratos no geral.

Em caso de ocorrer contratação e inobservância do dever de adimplemento da dívida pactuada, ou seja, se a empresa contratar um serviço ou porventura for condenada em ação judicial a pagar determinada indenização pecuniária, é a empresa, o seu patrimônio, o responsável pelo pagamento dos valores devidos.
A questão da formalização da empresa, em que pese se tratar de procedimento burocrático e oneroso é fundamental para se proteger o patrimônio pessoal dos sócios em eventuais cobranças de dívidas, pois a depender do tipo societário e natureza da dívida, o patrimônio pessoal do sócio terá proteção, já que não se confunde com o patrimônio da sociedade.
Dessa forma, a constituição formal da empresa é garantia tanto para os sócios como para os contratantes, pois evita a confusão patrimonial, bem como dificuldades em identificar qual patrimônio e quem deve ser cobrado para adimplir determinado contrato.
Em minha atuação como advogada, uma das áreas que mais me interessam é o direito do consumidor, em especial, os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, que em uma síntese bem prática, representam as defesas dos direitos consumeristas da coletividade.
O Código de Defesa do consumidor, como o próprio nome já diz, é a reunião de diversos dispositivos que estabelecem direitos, garantias, deveres, bem como diversos outros institutos e assuntos relacionados à proteção do consumidor.
Ocorre que, nem todas as pessoas que participam da compra e venda de determinado objeto ou serviço podem ser consideradas consumidoras.
Dessa forma, quando a empresa formalmente constituída contrata com um consumidor e não é possível o adimplemento do contrato, o patrimônio da empresa e, o patrimônio dos sócios de forma subsidiária, serão responsáveis pelo adimplemento da dívida.
O instituto é denominado de desconsideração da personalidade jurídica, que, no âmbito das relações consumeristas, é aplicado quando houver prejuízo ao consumidor por parte da pessoa jurídica que praticou/pratica, “abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração” (Art. 28 do CDC).
A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo é realizada com base na teoria denominada de Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, justamente com base na proteção ao consumidor, que pode ser lesado ao realizar contratações com pessoas jurídicas que de má-fé não possuem patrimônio ativo próprio, e sim seus sócios.
As hipóteses em que serão cabíveis a desconsideração para o alcance do patrimônio dos sócios são extensas, ao contrário da desconsideração da personalidade jurídica regulada pelo Código Civil de 2002, conforme poderemos observar a seguir.
Sem entrar no mérito das teorias que descrevem os requisitos para determinada pessoa ser considerada consumidora, os contratos celebrados entre pessoas que não podem ser consideradas consumidoras, serão regidos através da legislação civil e dos dispositivos que podemos encontrar no Código Civil de 2002 e em legislações esparsas. 
O Código Civil de 2002 também regula a desconsideração da personalidade jurídica, no entanto, ao contrário do adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, a legislação civil adota a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, fazendo com que o instituto apenas possa ser aplicado em poucos e específicos casos: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”. (Art. 50, Código Civil de 2002).
Em desencontro ao adotado pelo Código Civil e no mesmo sentido previsto no Código de Defesa do Consumidor, temos a legislação ambiental, tendo em vista a natureza do bem tutelado e adotou a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Em caso de condenação ao ressarcimento de determinado prejuízo causado ao meio ambiente, quando a pessoa jurídica não cumprir com a obrigação, os sócios e seus patrimônios pessoais serão alcançados para a satisfação da obrigação. Nesse sentido, a Lei nº 9.605/98, dispõe: “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.
No âmbito da legislação trabalhista, não há dispositivo de lei que regule o instituto da desconsideração, razão pela qual podemos encontrar diversos autores e a própria jurisprudência com decisões divergentes. A primeira parte da doutrina entende que a sua aplicação no decorrer das execuções trabalhistas, deve ser feita com base na aplicação subsidiária das normas do Código Civil de 2002, já a segunda parte, entende que por analogia, devem ser aplicados os ditames do Código de Defesa do Consumidor, em virtude da natureza dos direitos tutelados.  
Existe ainda, no âmbito do direito tributário e fiscal o redirecionamento da execução fiscal para o patrimônio pessoal do sócio com poderes de administração, no entanto, tal instituto e ramo do direito possuem peculiaridades que fogem da aplicação similar aos demais ramos.
Por fim, no âmbito das organizações criminosas, também é possível realizar a desconsideração da personalidade jurídica com base na Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, uma vez que as práticas ilícitas bem como o prejuízo das vítimas das organizações, justificam o alcance do patrimônio pessoal dos sócios.
A proteção conferida pelo ordenamento jurídico em casos específicos como os relacionados às relações de consumo está em consonância com o avanço das relações comerciais e tecnologias à disposição do mercado. A facilidade para se constituir uma empresa de comércio eletrônico, bem como a falta de fiscalização, fazem com que seja possível ocorrer diversas fraudes no mercado de consumo.
Dessa forma, as normas e os estudos que tratam acerca da desconsideração da personalidade jurídica são de extrema importância para viabilizar a defesa de direitos fundamentais em juízo.

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