Os Reféns da Taxa de Cessão/Anuência


A compra de um imóvel é cercada de expectativas, alegrias e esperanças. Por muitas vezes representa a conquista da independência, da liberdade, a formação de uma nova família, um sonho de vida. É muito utilizado pelo brasileiro como uma forma segura e tradicional de investir o dinheiro e planejar o futuro.
Uma das maneiras mais utilizadas é a aquisição dos imóveis na planta, em que as incorporadoras vendem ao consumidor o bem que ainda não está materializado de fato, mas já está (ou deveria estar) constituído no mundo do Direito.

Comprar o imóvel na planta significa preço mais baixo e prazo mais longo para pagamento. Por esse motivo, muitos se atraem e se jogam no mercado imobiliário para alcançar a tão sonhada casa própria ou para “aplicar” o dinheiro extra e tentar revender o imóvel mais valorizado ao fim da construção. Mas será que isso funciona?

O brasileiro tem enfrentado diversos problemas de cunho político, social e econômico. Muitos daqueles que conseguiram planejar a aquisição de um imóvel tiveram seu sonho interrompido pela mudança drástica no mercado, baixa de demanda em diversas áreas, desemprego, arrocho salarial. Com isso, a parcela do apartamento parece ter caído em um pote de fermento e crescido além do que as carteiras conseguem suportar.

O aumento se deve a vários motivos, entre eles, a correção mensal das parcelas, a correção das semestralidades, os atrasos nas obras, a crise. Então muitos precisam optar: mantenho meu sonho, meu investimento, comprometendo meu orçamento familiar ou me desfaço desse peso financeiro que me tira o sono todas as noites?

Eis que um número relevante não consegue manter os pagamentos e precisa optar pela interrupção do contrato. Fim dos problemas? De maneira alguma. Basta abrir os contratos, diga-se de passagem, enormes, para que surjam rugindo as cláusulas “Da Rescisão”. Caso o Promitente Comprador opte por rescindir o contrato antecipadamente, será abatido dos valores já pagos um percentual determinado que ficará retido com a incorporadora.

Esta prática não é ilegal, uma vez que, contratadas as partes, elas possuem obrigações recíprocas, sendo a do comprador o pagamento das parcelas acordadas, entre outras contratualmente previstas. Contudo, o que se vê são contratos que podem acarretar a perda total ou de grande parte do valor pago pelo consumidor, visto que ainda são poucos os que estão preparados para argumentar com a vendedora e, um número ainda menor, disposto a iniciar uma demanda judicial para discutir os valores indevidamente retidos.

O Código de Defesa do Consumidor prevê que o contrato não deverá ser oneroso de forma prejudicial ao adquirente, todavia, vale mais a pena às incorporadoras manter a cláusula abusiva de rescisão pela baixa discussão envolvida quando das retenções e para que essa disposição tenha efeito disciplinar: “o comprador que não venha distratar comigo”. Logicamente, em tempos áureos do mercado imobiliário, em que os lançamentos se esgotavam no mesmo dia da festividade inicial, não era problema que um comprador rescindisse. Em breve outros três apareceriam em busca da mesma oportunidade. Ocorre que hoje os corretores estão “matando cachorro a grito” e são poucas as empresas do setor de construção civil que conseguiram manter seu faturamento incólume.

Então, diante do desespero de perder os valores pagos, ainda que parte deles, o 
consumidor assume o papel de corretor e, além de seu emprego regular, começa a oferecer o citado apartamento na planta para todos que conhece. Amigos, parentes, vizinhos, colegas, inimigos, desconhecidos, uma legião de internautas, ninguém escapa das tentativas do comprador desesperado: ele quer ceder esse imóvel.

Pela cessão, entende-se: o comprador repassará a um terceiro os direitos de aquisição dessa unidade, recebendo dele os valores já pagos ou até mais do que já pagou (conforme negociação) e esse cessionário assume o restante do débito perante a vendedora. Depois de muito suor, lágrimas e negociações, ele encontra um santo sujeito que quer adquirir “seu sonho”!

Tomado de súbita alegria, o comprador comunica à vendedora do imóvel que possui um cessionário, termo maravilhoso que, para ele, significa “a solução do meu problema”. É nesse momento que ele escuta a notícia tão boa: para ceder é necessário que o Sr. esteja em dia com suas parcelas.

Ok, pensa ele. Se aperta de todos os jeitos, pega emprestado, e ainda liga para “a solução do meu problema” todos os dias para lembrá-lo do quão maravilhoso é aquele imóvel na planta que ele precisa comprar. Então a vendedora desfere mais um golpe: após a quitação do saldo, a incorporadora deverá aprovar o novo comprador.

Nada mais justo. Até porque, o credor tem o direito de não concordar com a cessão e com o novo devedor. Quando o comprador imagina que estariam encerrados seus empecilhos, recebe a seguinte notícia: para fazer a cessão a incorporadora cobra uma “Taxa de Cessão” ou “Taxa de Anuência”, que, geralmente, pode ser de 2% a 10% do valor do imóvel!!!

As incorporadoras alegam que estes valores cobrem os custos operacionais da 
cessão, que, analisando friamente, são basicamente elaborar um instrumento de cessão simples, já em sua base de dados, analisar superficialmente o novo comprador quanto a sua saúde financeira e assinar o documento. Essa cobrança é constantemente considerada abusiva, contra a função social e a boa-fé contratual.

A vendedora geralmente alega que, como foi contratada, a cláusula será cobrada. Ocorre que muitos desses contratos são leoninos, os chamados contratos de adesão, nos quais nem se confere ao comprador o direito de alterar as cláusulas. A cessão de créditos que é desenvolvida pelo promitente comprador não compreende esforços da vendedora que justifiquem tal cobrança, que por vezes excede ao que um corretor de imóveis cobraria (cerca de 6% da negociação).

Por esse motivo, essa cobrança vem sendo afastada nas demandas judiciais, tendo em vista a flagrante irregularidade de sua exigibilidade. O consumidor deve ficar atento e destacar seu descontentamento diante da existência dessa cláusula, pois, diante de uma necessidade, deve ser mantido seu direito de não permanecer contratado e de buscar a alternativa mais vantajosa para todas. E as vendedoras de imóveis devem deixar de inserir determinadas cláusulas, pois a cessão de um contrato para outro comprador servirá para reduzir eventuais prejuízos do consumidor, o que deixará tanto ele mesmo como a própria vendedora em boas condições, diminuindo a inadimplência e mantendo a quantidade de vendas.






Compartilhe:

0 comentários

Contribua para o debate! Deixe seu comentário.

Os comentários aqui registrados não refletem o pensamento ou conduta dos membros deste site, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.