Opressão na Medicina... Será?

O outro lado da história da Unesp Botucatu.

Os trotes universitário são uma tradição em quase todas as Universidades do país. E muitas delas têm por costume trotes vexatórios, violentos e que expõem os calouros ("bixos", em algumas Universidades) a constrangimento ilegais.

Todo começo de ano o trote é uma preocupação. Isso porque é nessa época em que a maioria dos  calouros está adentrando a faculdade e sendo exposta a essas situações. Muitos dos calouros são menores de idade ou muito jovens, e estão saindo da casa dos pais pela primeira vez. Sendo assim, são jovens perdidos em cidades distantes, longe das famílias, e precisando se enturmar. E por essas e outras acabam se submetendo a "brincadeiras" de mau gosto, e que muitas vezes representam até mesmo um risco à saúde.


Os cursos de Medicina possuem a fama de serem os que mais aplicam trotes aos "bixos", sendo que todo ano vemos denúncias sobre violências diversas dentro das Universidades.

Esta semana muitos jornais veicularam uma notícia quase viral na internet, a respeito de uma festa da Unesp Botucatu chamada "Batizado da Medicina". Jornais como o Globo, o Estadão, o Brasil Post, dentre outros, veicularam uma foto na qual alunos do 6o ano da Medicina da FMB (Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista) trajavam supostamente roupas  da Ku Klux Klan (KKK).

Frases como "uma das mais violentas quando o assunto são os trotes no ensino superior de São Paulo" contextualizam o leitor acerca do que seria a Unesp Botucatu. De acordo com os jornais, os veteranos da Medicina teriam se vestido com roupas que faziam menção à KKK a fim de "dar um susto" (sic) nos calouros, que teriam sido "obrigados" (sic) a ficarem de joelhos durante a entrada dos veteranos.

A fama dos trotes universitários aplicados há décadas nos cursos de Medicina contribui para que tal notícia seja aceita, pela maioria, como uma verdade absoluta, sem que antes se faça uma avaliação dos fatos.


As notícias veiculadas na mídia causaram grande repúdio, haja vista que muitas pessoas de todo o país passaram a externar sua indignação com a suposta opressão que teria ocorrido contra os "bixos" na tal festa, no dia 05 de março de 2015.

Pois bem. A imagem acima, descontextualizada, pode mesmo causar indignação, sobretudo quando se trata de um curso formador de futuros médicos, profissionais esses que serão responsáveis pela saúde. Profissionais esses que lidarão com pessoas, com seres humanos, e que deveriam ter um mínimo de sensibilidade para com outros seres humanos.

Mas será que a história é mesmo essa?

Primeiramente, resta claro que os trajes dos estudantes não se referem à KKK. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento acerca de História saberia que a Ku Klux Klan vestia-se de branco, e não de preto, fazendo menção à supremacia branca. De tal forma, trajes negros jamais poderiam ser comparados aos da KKK. Não obstante, outros grupos e organizações usam trajes brancos com capuz, e não são associados à KKK, o que já torna no minimo suspeitas as acusações feitas pelos meios de comunicação.

Da mesma forma que as notícias na mídia causaram indignação da população em geral, causaram também indignação de quem esteve presente na festa, e de demais alunos da supramencionada Universidade, sobretudo do curso de Medicina.

Muitos calouros e veteranos publicaram nas redes sociais suas versões dos fatos, narrando o exato oposto do que foi dito pelos jornais: o quanto a festa foi receptiva e respeitosa, e o quanto os calouros se sentiram acolhidos pelos veteranos!

Cumpre salientar que a Unesp Botucatu foi uma das Universidades que mais conseguiu reduzir o trote nos últimos anos. A atual turmo do 6o ano, turma 48 da Medicina, buscou, desde o início de sua jornada na faculdade, reduzir os trotes e desmitificar a ideia de que "veteranos são carrascos", e que a integração dos calouros só pode ser feita mediante "iniciação" constrangedora.

Pensando nisso, a referida turma escolheu as vestimentas de carrascos (carrascos, e não Ku Klux Klan, que fique claro!) a fim de construir uma metáfora anti trote. Os veteranos, que chegaram vestidos como carrascos, despiram-se dessas vestimentas, na notória metáfora de que veteranos não são figuras ditatoriais e cruéis. Logo em seguida, os calouros foram recebidos por abraços dos veteranos, que frisaram, a todo momento, o quanto a dignidade dos calouros deveria estar acima de qualquer tradição de hierarquia, e que os calouros não devem se submeter a qualquer coisa.

A festa se seguiu como qualquer festa normal, sem que houvesse qualquer opressão, repressão, racismo, ou discursos de ódio. Até mesmo a equipe de segurança presente na festa manifestou-se nas redes sociais contra as informações distorcidas e sensacionalistas veiculadas na mídia.

Alunos passaram a fazer piadas nas redes sociais, postando fotos de festas e escrevendo comentários como "pessoas oprimidas e tristes", onde notoriamente todos se divertiam.

Uma caloura, em texto publicado no Facebook, conta como sofreu com trote em outra Universidade, mas adorou a Unesp Botucatu. E narra também o quanto as notícias sensacionalistas e distorcidas atrapalham os próprios calouros, quem, supostamente, a mídia tentaria proteger.



Outros alunos se manifestaram de formas diversas acerca do ocorrido:


Ora, obviamente não se defende aqui qualquer tipo de violência ou constrangimento a qualquer pessoa que seja. A dignidade da pessoa humana deve estar acima e à frente de qualquer tradição ou costume.

Existem trotes violentos? Sim! Existem tradições de trotes universitários que representam constrangimentos físicos, morais e psicológicos aos calouros? Sim! E sem sombra de dúvidas esses comportamentos devem ser erradicados.

Adentrar uma Universidade é motivo de comemoração, de festa, de orgulho, de honra ao mérito, e não motivo para se submeter a qualquer iniciação desnecessária oriunda de costumes de hierarquias burras. Não obstante, cabe lembrar que a Universidade, apesar das festas e das comemorações, é a grande formadora de futuros profissionais. E, como tais, deve formar pessoas responsáveis, críticas, e capazes.

Por óbvio, o trote violento deve ser banido e seus responsáveis devem ser punidos. A violência universitária precisa ter fim. Todavia, para tanto, é necessário que o debate se dê de forma séria, clara, transparente, sem a interferência de uma mídia sensacionalista e que publica fatos distorcidos, sem analisá-los corretamente.

Publicar inverdades não é a solução para a violência universitária. Não bastasse, pensemos no desespero dos pais desses alunos, sendo bombardeados por todas essas notícias, de que supostamente seus filhos estariam sofrendo nas mãos de alunos veteranos, enquanto estes estão sendo bem recepcionados por uma turma preocupada em erradicar o trote.

Além de que desmoralizar e denegrir a imagem das nossas Instituições de Ensino e seus formandos não resolverá qualquer problema institucional que tenhamos de fato.

A Faculdade de Medicina de Botucatu apurou os fatos denunciados na mídia, mas o que se verificou foi uma série de alunos calouros contando a mesma versão: de que não houve qualquer trote violento ou ato misógino. Não bastasse, os alunos da referida faculdade se reuniram para confeccionar abaixo assinado, negando os fatos veiculados nos meios de comunicação. Diante disso, não acredito que haverá a punição de qualquer aluno sobre o ocorrido.

Todavia, a imagem da Universidade se fez prejudicada em razão da veiculação de notícias inverídicas e fatos distorcidos por uma minoria. Eu não estava presente na supramencionada festa, também não faço mais parte do mundo universitário, mas diante de tantos depoimentos contrários às notícias publicadas, é no mínimo de pensar se não se trata de um julgamento antecipado, um pré julgamento, sem conhecer os fatos.

Infelizmente, tais notícias estão provocando extremo mal estar entre os alunos da Unesp Botucatu, sobretudo os calouros, que sofrem pressões e comentários maldosos de todos os lados, movidos pela opinião pública. Opinião esta formada por fatos distorcidos e maldosamente narrados de forma sensacionalista.

A defesa dos Direitos Humanos deve ser uma prioridade, sempre! Sobretudo dentro das nossas Instituições de Ensino, formadora de opiniões. Entretanto, boatos e fofocas não são nem nunca foram a solução contra qualquer violência. E nenhum extremismo vai trazer o equilíbrio de que necessitamos.

É certo que a Unesp Botucatu já teve histórico de trotes violentos, mas ao menos nós, juristas, devemos julgar os fatos, e não as pessoas. E analisar corretamente os fatos antes de proferirmos quaisquer conclusões precipitadas. Trotes violentos e constrangedores ainda existem, e devem ser combatidos.



Mas será que os discursos de ódio, neste caso, estão sendo proferidos pelos estudantes, ou pela opinião pública?





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1 comentários

  1. tenho visitado o seu blog com assiduidade e nele encontro linhas agradáveis com boas dicas, estimulantes. Obrigado, dra. Ivonauton Rodrigues

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